segunda-feira, 23 de março de 2020

O ENCONTRO DOS AMANTES NO MEIO DO CAMINHO


José Roberto Morais¹

Considerações iniciais
O termo parnasianismo se originou da tradução de Parnasse (Parnaso), morada mitológica dos poetas. No final da década de 1870 e anos 80 do século XIX prevalece a rejeição ao sentimentalismo romântico e a busca pela criação de uma poesia que se orientasse pelo ideal da “arte pela arte”.  Essa ideia de que a arte constitui um exercício intelectual destinado ao prazer da contemplação foi proposto pela revista Le Parnasse Contemporain e pelos representantes franceses dessa tendência: Théophile Gautier, Leconte de Lisle e Charles Baudelaire. No Brasil, o movimento recebeu boas-vindas nas escolas de Direito e amplamente valorizado pela elite nacional, influenciando a produção poética até 1922. A tríade parnasiana brasileira que tronou-se famosa no seio literário é composta por Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Raimundo Correia. 

O Príncipe do Poetas Brasileiros
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac nasceu em 16 de Dezembro de 1865 no Rio de Janeiro, Brasil. Foi um jornalista e poeta brasileiro, membro fundador da Academia Brasileira de Letras, autor do Hino à Bandeira Nacional Brasileira. Homenageado com o título de Príncipe do poetas brasileiros, pela revista Fon-Fon através de concurso. É considerado um dos mais importantes e populares poetas brasileiros. Morreu em 28 de Dezembro de 1918 na sua cidade natalícia.  

O Encontro dos Amantes no Meio do Caminho
NEL MEZZO DEL CAMIN...
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo
.

Ao realizar a leitura do poema, pode-se fazer algumas observações: iniciando pelo título, percebe-se que está em língua latina, considerada uma língua culta, clássica. Além disso, trata-se de um trecho de verso da Divina comédia do escritor italiano Dante Alighieri. Ao observar a estrutura, nota-se uma preocupação da arte pela arte, demostrada pela preferência pelo soneto: poema clássico formado por dois quartetos (estrofe de quatro versos) e dois tercetos (estrofe de três versos). Ao analisar as rimas apresentadas, percebe-se que a maioria são rimas ricas, isto é, palavras de classes gramaticais diferentes, como estrada (substantivo) e deslumbrada (adjetivo); minha, (pronome possessivo) e continha (verbo); tremo (verbo) e extremo (adjetivo).
Outras características parnasianas estão relacionadas ao tema abordado de forma impessoal, pois para os poetas parnasianos é indispensável que os sentimentos fossem comunicados por meio da forma pura e de expressões comedidas, compreendendo que a beleza reside no equilíbrio e na serenidade. Já que a poesia parnasiana pretende ser impassível e manifesta a atração por tempos (longos anos) e lugares remotos (estrada da vida); restaura uma cultura clássica, erudita, que proporciona enlevo, deslumbramento ao leitor (título em latim: nel mezzo del camin...); comedimento emocional e construção de formas puras com simplicidade da beleza advinda de um esforço de mestres da versificação (versos decassílabos); palavras bem escolhidas e arquitetadamente organizadas comunicam com maior eficácia os sentimentos (preferência pelo ordem inversa).
Algumas figuras de linguagem enriquecem a mensagem transmitida nos versos. Na primeira estrofe, percebe-se a repetição simétrica comunica a ideia do encontro dos amantes, que viviam emoções idênticas. Ressalta-se que o encontro foi perfeito e oportuno, pois trouxe os amantes estavam tristes e cansados, mas tinham sonhos na alma.
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha...


            A segunda estrofe apresenta a união do casal. Para que vivam esse amor iluminado por muitos anos juntos, revelando a felicidade amorosa vivida pelos amantes.

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Na estrofe seguinte, os amantes são separados definitivamente devido à morte da mulher, sugerida pela ausência de emoção no momento da partida.

Hoje segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

Na última estrofe, “E eu, solitário, volto a face, e tremo, / Vendo o teu vulto que desaparece / Na extrema curva do caminho extremo.”, mostra-se um amante resignado, triste e solitário, como alguém que treme e compreende a morte, implícita pela expressão “extrema curva do caminho extremo”, que metaforicamente faz referência ao fim da vida.

Nota 1: Professor e escritor; Graduado em Letras pela URCA; Especialista em Metodologia do Ensino de Inglês e Português pela UCAM, e Docência do Ensino Superior pela FAIARA.

Referências

BILAC, Olavo. In Obra reunida (org. Alexei Bueno). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996, p.155.

MOISÉS, Maussad. História da Literatura Brasileira: realismo e simbolismo. Vol II. 5ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, 2001. 

TORRALVO, Izetti Fragata. Linguagem em movimento: literatura, gramática, redação: ensino médio, vol 2 / Izetti Fragata Torralvo, Carlos Cortez Minchillo. – São Paulo: FTD, 2008.
  

Um comentário:

  1. Nel Mezzo Del Camin... é um belíssimo soneto escrito pelo príncipe dos poetas brasileiros, Olavo Bilac. Representante da escola parnasiana e um dos melhores da literatura brasileira.

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