sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

OS JORNAIS

 

RUBEM BRAGA

Meu amigo lança fora, alegremente, o jornal que está lendo e diz:

— Chega! Houve um desastre de trem na França, um acidente de mina na Inglaterra, um surto de peste na índia. Você acredita nisso que os jornais dizem? Será o mundo assim, uma bola confusa, onde acontecem unicamente desastres e desgraças? Não! Os jornais é que falsificam a imagem do mundo. Veja por exemplo aqui: em um subúrbio, um sapateiro matou a mulher que o traía. Eu não afirmo que isso seja mentira. Mas acontece que o jornal escolhe os fatos que noticia. O jornal quer fatos que sejam notícias, que tenham conteúdo jornalístico. Vejamos a história desse crime. “Durante os três primeiros anos o casal viveu imensamente feliz…” Você sabia disso? O jornal nunca publica uma nota assim:

“Anteontem, cerca de 21 horas, na rua Ar-linda, no Méier, o sapateiro Augusto Ramos, de 28 anos, casado com a senhora Deolinda Brito Ramos, de 23 anos de idade, aproveitou-se de um momento em que sua consorte erguia os braços para segurar uma lâmpada para abraçá-la alegremente, dando-lhe beijos na garganta e na face, culminando em um beijo na orelha esquerda. Em vista disso, a senhora em questão voltou-se para o seu marido, beijando-o longamente na boca e murmurando as seguintes palavras: “Meu amor”, ao que ele retorquiu: “Deolinda”. Na manhã seguinte, Augusto Ramos foi visto saindo de sua residência às 7:45 da manhã, isto é, dez minutos mais tarde do que o habitual, pois se demorou, a pedido de sua esposa, para consertar a gaiola de um canário-da-terra de propriedade do casal.”

A impressão que a gente tem, lendo os jornais — continuou meu amigo — é que “lar” é um local destinado principalmente à prática de “uxoricídio”. E dos bares, nem se fala. Imagine isto:

“Ontem, cerca de 10 horas da noite, o indivíduo Ananias Fonseca, de 28 anos, pedreiro, residente à rua Chiquinha, sem número, no Encantado, entrou no bar “Flor Mineira”, à rua Cruzeiro, 524, em companhia de seu colega Pedro Amâncio de Araújo, residente no mesmo endereço. Ambos entregaram-se a fartas libações alcoólicas e já se dispunham a deixar o botequim quando apareceu Joca de tal, de residência ignorada, antigo conhecido dos dois pedreiros, e que também estava visivelmente alcoolizado. Dirigindo-se aos dois amigos, Joca manifestou desejo de sentar-se à sua mesa, no que foi atendido. Passou então a pedir rodadas de conhaque, sendo servido pelo empregado do botequim, Joaquim Nunes. Depois de várias rodadas, Joca declarou que pagaria toda a despesa. Ananias e Pedro protestaram, alegando que eles já estavam na mesa antes. Joca, entretanto, insistiu, seguindo-se uma disputa entre os três homens, que terminou com a intervenção do referido empregado, que aceitou a nota que Joca lhe estendia. No momento em que trouxe o troco, o garçom recebeu uma boa gorjeta, pelo que ficou contentíssimo, o mesmo acontecendo aos três amigos que se retiraram do bar alegremente, cantarolando sambas. Reina a maior paz no subúrbio do Encantado, e a noite foi bastante fresca, tendo dona Maria, sogra do comerciário Adalberto Ferreira, residente à rua Benedito, 14, senhora que sempre foi muito friorenta, chegado a puxar o cobertor, tendo depois sonhado que seu netinho lhe oferecia um pedaço de goiabada.”

E meu amigo:

— Se um repórter redigir essas duas notas e levá-las a um secretário de redação, será chamado de louco. Porque os jornais noticiam tudo, tudo, menos uma coisa tão banal de que ninguém se lembra: a vida…

 

BRAGA, Rubem (1913-1990). 200 crônicas escolhidas. - 21ª ed. - Rio de Janeiro, Record, 2004. (p. 148-149)

 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

AS FOTOGRAFIAS DE P...

 

Abro um livro para leitura e encontro duas fotos de P... Ela foi a garota com quem vivi momentos inesquecíveis na adolescência. Ao observar as fotos que me dera naquela visita inesperada na noite junina, relembro momentos de sublime ternura e carinho que compartilhamos esquecidos do tic-tac do relógio costumeiro, inimigo do amor.

Olhando a fotografia 01, leio a dedicatória que escrevera no verso: “No baile da vida, desejo que a felicidade seja sempre seu par”. Observo o sorriso encantador e lembro que fora minha felicidade ao longo de 18 meses. Relembro as idas e vindas de cartas que aguardávamos ansiosamente... cartas que me escrevera e ilustrara com corações, representantes de um amor inocente, sem ciúmes ou chantagens emocionais... os passeios na Cyclone... as crenças na influência astrológica sobre nosso amor... os planos arquitetados de ternura e carinho para futuro compartilhado...

Observo seu vestido vermelho na fotografia 02, e lembro do nosso primeiro encontro naquela noite festiva quando decidira ser “meu par”. Abraçados caminhamos sentindo o frio contra nossas faces enamoradas que foram se aquecendo no calor emanado do amor que brotara nos corações imaturos. A cada passo que aproximara o fim do momento, desejara caminhar em retorno para prolongar aquele momento. Recordo também outro encontro quando me dera as fotos, mas que se tornara nosso último encontro de carinho compartilhado... pois, o tempo inimigo do amor, mas que cura as feridas deixadas, nos afastou...      

 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

PERSONAGENS BÍBLICOS

 CONHECENDO A BÍBLIA SAGRADA


Adão lá no Paraíso

Vivia com sua amada

Pela serpente enganada

Eva perdeu seu sorriso

Abandonar foi preciso

Um lar repleto de amor

Distante do Criador

A família amargurada

Por ler a Bíblia Sagrada

Me tornei conhecedor

 

José filho de Jacó

Pelos irmãos foi vendido

No Egito desconhecido

Sentiu-se tão triste e só

Mas ele emergiu do pó

Ao ser fiel ao Senhor

Tornou-se governador

Transformou sua jornada

Por ler a Bíblia Sagrada

Me tornei conhecedor.

 

Glosa: José Roberto

Mote: Matuto Izaias Moura