quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

FANATISMO: O SENTIMENTALISMO DA FLOR ALENTEJANA NA VOZ INCONFUNDÍVEL DO CEARENSE DE ORÓS

DA LITERATURA PARA MÚSICA 


Era tarde da noite em Vila Viçosa, no Alentejo, Portugal. Uma jovem estava nos seus aposentos. Uma lamparina iluminava o quarto. Sobre uma mesinha, havia alguns cadernos e livros. A garota estava sentada numa cadeira próximo à mesa segurando uma caneta. Embora o fascínio pela eletricidade continuasse a crescer e, no final do século XIX e início do século XX, surgisse as primeiras empresas de produção e distribuição de energia elétrica, Florbela preferia a luz de lamparina enquanto escrevia seus belíssimos sonetos.

Entre nove e dez anos começou a produzir suas primeiras composições poéticas. Escreveu o poema "A Vida e a Morte", o soneto em redondilha maior em homenagem ao irmão Apeles e um poema "No dia d'anos", escrito para o aniversário do pai, com a seguinte dedicatória: “Ofereço estes versos ao meu querido papá da minha alma”. Nessa noite, a jovem Alentejana, escrevia um soneto marcado pelo sentimentalismo íntimo. Intitulado “Fanatismo”, o soneto tornar-se-ia uma das várias obras-primas da poesia Alentejana.

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida. 

Meus olhos andam cegos de te ver. 

Não és sequer razão do meu viver 

Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida. 

Passo no mundo, meu Amor, a ler 

No misterioso livro do teu ser 

A mesma história tantas vezes lida!... 

Tudo no mundo é frágil, tudo passa. 

Quando me dizem isto, toda a graça 

Duma boca divina fala em mim! 

E olhos postos em ti, digo de rastros: 

Ah! podem voar mundos, morrer astros, 

Que tu és como Deus: princípio e fim!...


Após terminar a escrita do poema, que atravessaria todas as fronteiras da literatura e se tornaria atemporal, Florbela foi descansar. 

Anos depois, nascia em Orós (CE), um jovem apaixonado pelos instrumentos musicais. Futuramente, esse garoto tornar-se-ia uma das vozes marcantes da música brasileira. “Seu” José e Dona Francisca batizaram o filho de Raimundo Fagner Cândido Lopes, chamando carinhosamente de Fagner.

Certa noite, a curiosidade e o gosto pela leitura, além de sua paixão pela poesia; levaram o menino Fagner a leitura de grandes obras literárias. Entre elas, destaca-se os sonetos da Flor Alentejana, de origem portuguesa. Em uma madrugada de 1981, aos 32 anos, o músico e cantor cearense, enquanto lia o soneto “Fanatismo” começou a dedilhar seu violão correndo os olhos pelas palavras cheias de sentimentalismo e transformou um dos melhores sonetos da língua portuguesa em uma das magníficas canções da música popular brasileira. E assim, “Fanatismo” passou da ótica literária da Flor Alentejana para a interpretação musical na voz inconfundível do cearense, filho de Orós. 


MORAIS, José Roberto. Florbela, Fagner e Fanatismo: o sentimentalismo da flor alentejana na voz inconfundível do cearense de Orós. In Revista Sarau. v.5 nº12. janeiro/fevereiro 2025. (p.53-54) ISSN 2965.6192

sábado, 9 de novembro de 2024

MANOEL DE BARROS: O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA

 CRÔNICA

Conheci o menino que carregava água na peneira em 2003. Na época, eu cursava a 6ª série (atual 7º ano) do ensino fundamental na Escola Francisco de Assis Leite, em Salitre (CE). Ganhei cinco exemplares da coleção “literatura em minha casa” composta por obras de poesias, contos, novela, clássico literário e teatro.

Nas primeiras páginas da leitura de “Palavras de encantamento” (volume 1), deparei-me com Manoel de Barros que afirmou que ter “um livro sobre águas e meninos”, mas que gostou “mais de um menino que carregava água na peneira”. 

A leitura desse poema despertou minha paixão pela poesia. E dois anos depois comecei a produzir meus poemas. Assim, como Manoel de Barros, a inspiração vinha de eventos simples do cotidiano. E se Manoel “roubava um vento e saia correndo com ele para mostrar aos irmãos”, eu também aprendi a “catar espinhos na água e criar peixes no bolso”.

A criatividade do menino Manoel era evidente. Por ser “ligado em despropósitos, quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos”. Também começou a fazer peraltagens com as palavras. Modificou a tarde botando uma chuva nela e interrompeu o voo de um pássaro botando ponto no final da frase.

Manoel fazia prodígios com as palavras. Fez uma pedra dar flor! Seus poemas infantis, encantam pela simplicidade vocabular permeada de figuras de linguagens. As comparações e metáforas enriquecem a narrativa numa prosa poética leve que prende a atenção do leitor.   

Aprendi a usar as palavras também. Comecei a gostar mais do vazio do que do cheio. Percebi que, assim como Manoel de Barros, vou carregar água na peneira a vida toda, pois “o mundo que eu crio na escrita compensa o que o mundo real não me oferece e eu preciso manter o espírito de revolta vivo em mim.”


MORAIS, José Roberto. Manoel de Barros: o menino que carregava água na peneira. In Revista Sarau. vol.4. nº 11. nov/dez, 2024. (p.19) ISSN 2965.6192

MANOEL DE BARROS: O POETA PANTANEIRO

LITERATURA BRASILEIRA 


Manoel Barros nasceu

Em Cuiabá, capital

Parte da infância viveu

Na fazenda, Pantanal.

Era ali localizada

Sua casa de morada

Onde ele alegre vivia;

O menino aventureiro

Nesse solo pantaneiro

Cercado de poesia.

 

Na adolescência mudou-se

Campo Grande seu destino

Pelo sonho aventurou-se

Aquele simples menino.

Surgiu no colégio interno

Esse poeta moderno

Começou as produções;

Mergulhou fundo nos versos

Construiu mundos diversos

Com lindas composições.

 

Seus “Poemas Concebidos

Sem Pecados”, publicou

Dos amores preferidos

Com a Stella se casou.

Gerou Pedro, João e Marta

Sua produção tão farta

Foi no mundo literário;

Nos versos foi menestrel

Em Direito, bacharel

Seguiu seu itinerário.

 

Ganhou “Prêmio Jabuti”

Pela ótima produção

No mundo fora e aqui

Veio a consagração.

“O Guardador de Águas”,

Foi para sua obra frágua,

“Fazedor do Amanhecer”;

O poeta pantaneiro

Fez seu verso derradeiro

Ao ver a noite descer.


MORAIS, José Roberto. Manoel de Barros: o poeta pantaneiro. In Revista Sarau. vol.4. nº 11. nov/dez, 2024. (p. 18) ISSN 2965.6192

domingo, 1 de setembro de 2024

MANUEL BANDEIRA: LÍRICO NACIONAL

 LITERATURA BRASILEIRA 


Nasceu Manuel Bandeira

Um importante escritor

Na capital altaneira

De um estado promissor.

Do Pernambuco pro mundo

Com sentimento profundo

O poeta ali nasceu;

Seu pai, Manuel Carneiro

Mãe, Francelina Ribeiro

Recife foi berço seu.

 

Em Recife iniciou

Fez seus estudos primeiros

Aos dez anos se mudou

Para o Rio de Janeiro.

Fez o curso secundário

Seguiu seu itinerário

Colégio Pedro II (segundo);

Tomou gosto por leitura

Pra cursar Arquitetura

Em São Paulo, novo mundo.

 

Seu curso interrompeu

Estava tuberculoso

Suíça, destino seu

Pra tratar o mal danoso.

Na clínica, se internou

Outro poeta encontrou

Buscando sobreviver;

Esses fatos tão diversos

Ele registrou em versos

Por ter medo de morrer.

 

 

Voltou ao país natal

Pra fazer literatura

Um lírico nacional

Destaque nessa cultura.

Autêntico nordestino

Como inspector de ensino

Em grande universidade;

E publicou sem demora

A obra, “A Cinza das Horas”

Pra toda sociedade.

 

Influência simbolista

Nessa obra está presente

Seguindo pra modernista

Na obra posteriormente.

Participou da semana

Crítica à parnasiana

“Os Sapos” foi declamado;

Tumultuou o teatro

Ouviu os gritos, de fato

Seu deboche foi vaiado.

 

Veio “Ritmo Dissoluto”

Depois, “Libertinagem”

Pra Pasárgada, o astuto

Desejou fazer viagem.

Em verso livre escreveu

Sua obra desenvolveu

Linguagem coloquial;

A indesejada chegou

Em 68 nos deixou

O vate nacional.



MORAIS, José Roberto. Manuel Bandeira: lírico nacional. In Revista Sarau. Vol 4, Nº 10, setembro/outubro 2024 (p.41) ISSN 2965.6192

JUVENAL GALENO: POETA FOLCLORISTA

 LITERATURA CEARENSE

 

Fortaleza foi o berço

Do poeta Juvenal

Rua Formosa, começo

Bairro residencial.

O poeta popular

Foi também familiar

De Capistrano de Abreu;

Rodolfo Téofilo, primos

Escritor que aplaudimos

Cada obra que escreveu.

 

Para o Sítio Boa Vista

Um recanto aconchegante

Mudou-se tão otimista

Era pequeno estudante.

Em Pacatuba, estudou

No Aracati, frequentou

Já com noções de latim;

Fez seu primeiro jornal

Literário e cultural

“Sempre Viva” foi assim.

 

Do Ceará ao Brasil

“Mocidade Cearense”

Da imprensa estudantil

Pra Marmota Fluminense.

Lá no Rio de Janeiro

Pra seguir o seu roteiro

Naquela linda cidade;

Com Machado de Assis,

Macêdo e Marinho, quis

Fazer laços de amizade.

 

Ceará no Romantismo

Como marco inaugural

Teve o regionalismo

Do poeta Juvenal.

Os seus “Prelúdios Poéticos”

Com versos sempre frenéticos

Por ser magno literário;

E fez peça teatral

Padaria Espiritual

Padeiro-mor honorário.

 

“Lendas e Canções Populares”

Obra regionalista

Desbravando outros mares

Figura abolicionista.

Com “A Noite na Senzala”

“O Escravo” também fala

Do suicídio ocorrido;

Na encenação transfere

Disse “Quem com ferro fere,

Com ferro será ferido”.

 

No fantástico escreveu

O poema “A Machadada”,

Uma prisão que ocorreu

No percurso da jornada.

Um poeta folclorista

Pois foi um grande contista

Com as “Cenas Populares”;

Genuína inspiração

Galeno é tradição

De produções singulares.


MORAIS, José Roberto. Juvenal Galeno: poeta folclorista. In Revista Sarau. Vol 4, Nº 10, setembro/outubro 2024 (p.40-41) ISSN 2965.6192  


CONFABULANDO COM JOÃO CABRAL II

LITERATURA BRASILEIRA 


II – VIDA NORDESTINA

O meu nome é Severino

Vivendo meu dia a dia

Sou autêntico nordestino

Minha mãe, Dona Maria.

Minha querida esposa

É chamada de Luzia

Ela é filha de Antônia

E do velho Zacarias.

Neste torrão tão quente

Vou vivendo com alegria

No roçado agricultor

Trabalho sem companhia.

Acordo logo cedinho

O sol brilhante irradia

Já plantei milho e feijão

Jerimum e melancia.

À tarde, monto o alazão

Vou cuidar da vacaria

Vestindo o velho gibão

O ocaso se inicia.

Ao curral trago as vacas

Para poder ordenhar

Minha pequena Sofia

Com leite alimentar.

À noite, eu me hospedo

Nesta simples moradia

Depois do jantar, vou dormir

Para acordar noutro dia.


MORAIS, José Roberto. Confabulando com João Cabral. In Revista Sarau. Vol 4, Nº 10, setembro/outubro 2024 (p.40) ISSN 2965.6192  


CONFABULANDO COM JOÃO CABRAL I

LITERATURA BRASILEIRA 


I - TECENDO A VIDA

Um homem sozinho não vive neste mundo:
ele precisará sempre de outros homens.

de um professor para orientar sua busca pelo conhecimento,
de um médico para cuidar da sua saúde,
de um advogado para defender sua causa,
de um agricultor para cultivar seu alimento,

de um pedreiro para construir sua casa,

de um motorista para conduzir seu veículo,
de um mecânico para consertar seu transporte,
de um policial para garantir sua segurança,
de um poeta para recitar o poema da sua vida.

E se organizando neste planeta,
ajudando e recebendo ajuda,
se comunicando com seu meio,
ele vai tecendo sua vida.
Amanhã, quando a indesejada das gentes chegar

ele partirá e será luz.


MORAIS, José Roberto. Confabulando com João Cabral. In Revista Sarau. Vol 4, Nº 10, setembro/outubro 2024 (p.40) ISSN 2965.6192