terça-feira, 30 de julho de 2024

BANDEIRA, MÁRIO E OS SAPOS

 LITERATURA BRASILEIRA


Em 1921, Manuel Bandeira morava no Rio de Janeiro. Conheceu Mário de Andrade e através desse, colaborou com o poema Bonheur Lyrique” para a revista modernista Klaxon. Mário o informou sobre os pretensos interesses em realizar um grande evento modernista em São Paulo no ano vindouro e desejava a contribuição de Manuel no momento de apresentações artísticas inovadoras que duraria uma semana e aconteceria no Teatro Municipal de São Paulo.

- Prazer em conhecê-lo, eu sou Mário.

- Olá, Mário. Eu sou Manuel.

- Eu estava à sua procura Manuel, pois estou planejando, com alguns colegas artistas, um evento a ser realizado no próximo ano em São Paulo. E nós desejaríamos contar com sua participação.

- Esse evento tem temática específica? Qual o seu propósito?

- A nossa proposta é explorar a brasilidade e valorizar o território nacional como berço de inspiração cultural através da poesia, música, dança, pintura e outras expressões artísticas. Antes, quero que você escreva algo para a revista Klaxon.

- Claro! Eu acho que tenho um poema aqui que se encaixa muito bem nesse periódico.

Após a visita de Mário, Bandeira, que antes recebeu influência parnasiana e simbolista, pensava numa produção que viesse ao encontro das ideias do evento, estabelecendo uma nova estética que rompesse com os padrões antigos e abrisse caminho para a arte moderna no país.

Pensando assim, ele decidiu que romperia com os vestígios parnasianos presentes na sociedade e decidiu fazer um poema deboche agressivo sobre a arte de rimas raras e métricas nos poemas ... concebeu-se “os sapos”. 

(...)O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos. (...)

Ronald de Carvalho encarregou-se da declamação do poema, já que Bandeira não pode viajar a São Paulo para participar do Movimento Modernista, cuja participação foi sempre à distância.


segunda-feira, 15 de julho de 2024

A CASA DA MEMÓRIA: UMA CARONA NO TEMPO

 LITERATURA CEARENSE CONTEMPORÂNEA


Durante as férias escolares em julho, estive procurando alguns livros para momentos de entretenimento e busca pelo conhecimento. Nessa procura literária, me deparei com uma obra da literatura caririense, especificamente, salitrense. Trata-se d“A casa da memória”* do amigo, poeta e escritor Manoel Neto, da “terra abençoada, por Deus amada, querida, fulgurante”, a querida Salitre, onde vivi, diariamente, sete anos de vida escolar.

Nessa obra, composta por crônicas, o escritor de óptica aguçada, observadora e reflexiva sobre os fatos cotidianos, apresenta o dia a dia das crianças que frequentam às instituições escolares, outros fatos e ideias, além de eventos da vida dos moradores da pacata cidade do interior cearense e a passagem do tempo.

Revivi leituras já realizadas outrora no blog “De letra em letra” que foram organizadas nessa produção. Passeei com as crianças a caminho da escola, reencontrei os garotos G e Josivan, percebi que as crianças são a salvação da escola e me deparei com gente que volta à escola após o destino traçar outras trilhas na vida. Concordo que a falta de gosto das crianças pela leitura é culpa dos adultos e que não saber ler pode ser a coisa mais triste do mundo. Além de refletir sobre quem paga a falta de amor, de comida, de conselho, de sensibilidade, a violência contra os pequenos.

Na segunda parte, reencontrei Rita doida, refleti sobre os tempos em família, as crenças nossas de cada dia, os heróis anônimos, a injustiça bem perto de nós, o menino sem nome, quem são os estudantes, o cachorro enterrado no terreiro da casa e outros fatos e ideias.

Ao chegar a terceira parte, adentrei novamente a cidade de Salitre, onde passei as tardes no seio escolar durante sete anos que frequentei a Escola Francisco de Assis Leite e a Escola José Waldemar de Alcântara e Silva. Revi o pé da serra, as cacimbas de Dona Nega, as melancias verdes, as mulheres e aviamentos, a Rua São Pedro de antigamente. Recordei o aniversário de 30 anos da “linda cidade ao pé da serra do Araripe, exemplo de amor e humildade”, cidade abençoada de um “povo hospitaleiro” e reencontrei Maria da terra do boi.

Concluindo essa viagem, na última parte, de carona com o tempo, mergulhei nos baús da humanidade, a idade de ouro da vida, vi os meninos jogando bola na rua onde o poeta morou e finalmente retornei à casa da memória onde sua avó morou na Rua São Pedro, no centro da cidade.

Reler “A casa da memória”, obra instigante à reflexão através de narrativas do cotidiano, numa linguagem simples, me fez devanear pela minha infância e revisitar a casinha da minha avó através das recordações.  

  

*SOUSA, Manoel Neto de. A casa da memória: crônicas. 1ª edição. Editora D7. Campinas - SP, 2019.


quarta-feira, 3 de julho de 2024

RACHEL - UMA NOITE NA FAZENDA

LITERATURA CEARENSE 


Era mês de julho de 1929. À noite, um candeeiro ilumina o quartinho dos fundos no casarão da Fazenda Não Me Deixes. Rachel de Queiroz, a jovem professora, está em férias na casa dos pais. Concentrada, rabiscando papéis distante dos aposentos para não atrapalhar o sono de Dona Clotilde e “Seu” Daniel. 

Dois anos antes, usando o pseudônimo Rita de Queluz, ela havia começado seus trabalhos de produção literária ao escrever uma carta para o jornal “O Ceará”, ironizando o concurso de Rainha dos Estudantes, promovido pelo periódico. Sua carta fez muito sucesso. Convidada a ser colaboradora do jornal, a professora diplomada aos quinze anos em 1925, começou organizar a página literária na qual publicou o folhetim “História de um Nome”.

Dona Clotilde levanta-se na madrugada e percebe que a luz do candeeiro ainda ilumina o quartinho dos fundos, espaço favorito da filha quando criança. Vai até lá e encontra Rachel cochilando, sentada na cadeira e a cabeça sobre um caderno. Ela acorda a moça que despertada inesperadamente, questiona:

- Mamãe! Que horas são?

- Já são duas horas da madrugada, filha. Por que dormiu aqui?

- Estava escrevendo e acabei pegando no sono. Volte a dormir, mamãe. Eu vou já também. Mas preciso concluir um capítulo do “quase” romance de Conceição e Vicente.

Dona Clotilde sai e deixa a filha que logo volta a escrever.

Esse texto que a professora escreve apresenta um quadro social dramático e realista da luta do povo cearense contra a devastadora seca que iniciou em 1915 e trouxe muita fome e miséria à população do interior do estado de Iracema, a virgem dos lábios de mel. Vindo a ser intitulado “O Quinze”, narra o êxodo de trabalhadores e fazendeiros das fazendas em Logradouros e Quixadá que partem em busca de sobrevivência na capital cearense.

Ao amanhecer o dia, com o cavalo selado, Rachel monta o equino e parte em passeio pela Fazenda Não Me Deixes. Observa o gado pastando, escuta a serenata matinal dos passarinhos, e sonha em um dia vindouro, quem sabe, ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.


MORAIS, José Roberto. Rachel de Queiroz. In Revista Sarau. Vol 4, Nº 9, julho/agosto 2024 (p.13) ISSN 2965.6192     

RACHEL DE QUEIROZ E SUA OBRA PRIMA

LITERATURA CEARENSE  


Rachel de Queiroz nasceu

No estado do Ceará

Três anos ela viveu

Na cidade Quixadá

Mudou-se pra capital

E publicou no jornal

Ironizando um concurso

Tornou-se uma escritora

Uma ótima professora

Foi seguindo seu percurso.


Com “O Quinze” se tornou

Escritora romancista

Muitas obras, publicou

Foi uma grande cronista

Observava o dia a dia

Com o toque de magia

Expondo sua emoção

E teve obra adaptada

Para ser representada

Até na televisão.

 

Deixou uma obra imensa

Nesse mundo literário

Escreveu de forma intensa

Seguiu seu itinerário

Sobre a seca no sertão

Homenagem a Lampião

Escreveu conto infantil

Contando causos e fatos

Nos seus livros fez retratos

Do interior do Brasil.

 

No romance social

A Conceição e o Vicente

“Quase” formam um casal

Nas terras de sua gente

Porém, a seca tão brava

Sua gente fez escrava

Tornando uma imigrante

Saindo do interior

Partiu naquele vapor

Seu amor ficou distante.

 

Na capital, professora

Cumpria sua missão

A moça batalhadora

Que viera do sertão

No período mais crítico

Durante um ano atípico

Que a seca devastava

Ela viu na capital

Triste quadro social

De gente que ali chegava.

 

Campos de concentração

Reunia os imigrantes

Entre eles, a Conceição

Ajudava os retirantes

Pensava no interior

Esfriou aquele amor

As lembranças de Vicente

Quando o inverno voltou

Somente a vó retornou

Às terras de sua gente.


MORAIS, José Roberto. Rachel de Queiroz. In Revista Sarau. Vol 4, Nº 9, julho/agosto 2024. (p. 14) ISSN 2965.6192