Por
José Roberto Morais²
“Patativa tornou-se
a voz do povo nordestino”
Antônio Gonçalves da Silva,
conhecido pelo epiteto de Patativa do Assaré, nasceu no dia 05 de Março de 1909
na Serra de Santana em Assaré, região do Cariri, interior do Ceará, vindo a
falecer em 2002. Filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva,
ambos agricultores. Aos nove anos ficou órfão de pai e teve que trabalhar duro
para sustentar a família. Frequentou uma escola até os doze anos, quando
aprendeu a ler. Apaixonou-se pela leitura de cordel e começou a produzir seus
próprios versos, aos dezesseis anos de idade comprou uma viola e começou a
improvisar. Aos vinte anos, o primo de sua mãe que residia no Pará veio a
Assaré e o conheceu, quando retornou ao Pará, o levou consigo e o apresentou a
José Carvalho de Brito, autor do livro “O Matuto Cearense e O Caboclo do Pará”,
foi José Carvalho que o chamou pela primeira vez por Patativa do Assaré. Depois
Patativa foi apresentado a Dra. Henriqueta Galeno, filha do poeta Juvenal
Galeno. Após ouvir suas recitações, o latinista José Arraes de Alencar, vindo
do Rio de Janeiro decidiu publicar os poemas de Patativa do Assaré na editora
Borca. Logo em seguida, saiu a segunda edição e assim seu livro fez grande
sucesso. Após outras publicações, em 1988 foi publicado o livro de poesia
“Ispinho e Fulô” pela Imprensa Oficial do Ceará, produção e prefácio de
Rosemberg Cariny. Nesse livro estão presentes os poemas alvos dessa pesquisa.
“Reforma Agrária” é um soneto, que possui estrutura fixa; dois quartetos e dois
tercetos com dez sílabas poéticas em cada verso, o soneto tematiza a
problemática da reforma agrária, que objetiva a divisão igualitária das terras,
oportunizando a cada pequeno agricultor a possibilidade de possuir um pequeno
pedaço de terreno para trabalhar e garantir a subsistência de sua família. Já
“O Boi Zebu e As Formigas” é um poema extenso, composto por nove décimas com
sete sílabas poéticas em cada verso, nele o poeta questiona os problemas
políticos existentes no nosso país através da metáfora que o intitula.
Patativa do Assaré é, sem dúvida, um
importante poeta popular brasileiro, com uma visão crítica aguçada, o
versejador preocupa-se em representar em suas composições aqueles injustiçados
e marginalizados pelo sistema político opressor; em função disso, tornou-se a
voz do povo nordestino e inspirado no cotidiano de seu povo declamou poemas que
se tornaram hinos do Nordeste, como “Vaca Estrela e Boi Fubá”; “A Triste
Partida”; “A Terra é Nossa”; “Lição do Pinto”, entre outros, que vieram a
retratar a triste realidade vivida pelos nordestinos que enfrentam a seca
impiedosa e o desprezo por parte dos governantes. Sempre usando metáforas, o
poeta consegue expressar a sua dor e sua insatisfação relativas aos problemas
enfrentados pelo povo que representa.
A seca é um tema bastante abordado
em sua poesia, pois o autor foi vítima de algumas das devastadoras estiagens
que atingiram o Nordeste. A fuga desse fenômeno climático também está presente
em seus versos, já que o mesmo passou por tal acometimento, conforme está
registrado em seu poema “A Triste Partida”, que fora posteriormente musicado
por Luiz Gonzaga. Outra questão que perturba o poeta e a população é a má
distribuição de terra.
1 REFLETINDO
ACERCA DA OBRA DE PATATIVA DO ASSARÉ
Segundo Brito (2010, p.11) “o poeta
(Patativa do Assaré) se deu conta de que poderia traduzir sua compreensão do
mundo por meio dos versos”. Para isso, ele sempre usou as palavras como forma
de interação com o público leitor de sua obra ou ouvintes de suas declamações.
No seu livro “Ispinho e Fulô” tratou das questões sociais na maioria de seus
poemas, já que ele (Patativa) sentia-se vítima esquecida pelos poderosos e
conhecia como poucos os problemas enfrentados pela sociedade. Traduziu sua
compreensão do mundo em poemas que se tornaram hinos da poesia popular,
escreveu também poesia erudita quando bebeu na fonte de leituras de Castro
Alves (O condoreiro), Olavo Bilac (O príncipe), Camões e outros, mas foi na
poesia popular que dedicou-se e produziu poemas que retratam verdadeiramente a
sua realidade. Patativa observava minuciosamente a realidade que enfrentava e
percebia nos versos a arma poderosa que sua fala se tornava ao expor as suas
ideias. A preocupação com os problemas enfrentados pela sociedade é evidente em
seus poemas, como “A Triste Partida”, “Reforma Agrária”, “A Terra é Naturá”, “O
Boi Zebu e As Formigas”, “Nordestino, Sim, Nordestinado, Não”, e na maioria dos
poemas que contemplam o livro “Ispinho e Fulô”.
Sempre marcado por forte oralidade,
os poemas patativanos demonstram a forte interação entre ele e a sociedade.
Através da poesia oral que ecoa pelo espaço mítico do sertão e comunica ao
receptor que não tem domínio dos códigos da escrita, Patativa construiu o seu
domínio e se tornou admirável, segundo Carvalho (2002). Sua obra retrata a
busca e a luta incansável, durante toda a vida, pela reforma agrária, pelo
socialismo e contra o preconceito, a exclusão e a miséria.
2 PATATIVA DO
ASSARÉ E A POLÍTICA
Segundo Gilmar de Carvalho (2002, p.
46) “as relações entre Patativa do Assaré e a política passam pela compreensão
da síntese que ele fez entre o trabalho manual e o intelectual, superando a
velha dicotomia que tanto inquietou filósofos e cientistas sociais”, pois o
campo é o local privilegiado para sua criação poética. Durante o seu trabalho
na labuta (roçado), usando a enxada, sua amiga incansável e companheira,
Patativa realiza outro trabalho inquestionável, o intelectual, pois enquanto o
poeta trabalha na lavoura - plantando, cuidando, ou colhendo o milho, o feijão,
a mandioca e outras sementes - a sua mente incansável constrói os mais belos
poemas que são mentalizados pelo poeta. Poemas estes, que à noite, quando
saciado, procurando descanso para o corpo, são declamados para ouvintes que
habitam o seu lar, sua família e amigos.
Filho de agricultores, Patativa do
Assaré seguiu a profissão dos pais. O pássaro poeta herdou não só o trabalho
manual do campo, mas também a preocupação e o sentimento do trabalhador. Seu
pai improvisava quadras poéticas que Patativa logo apaixonou-se e começou a
improvisar também, segundo Gilmar de Carvalho (2002). O improviso, sua paixão,
fez com que ele comprasse uma viola e junto com outros cantadores fizessem
cantorias pelo sertão do cariri.
Possuidor de um dom especial no que se
refere ao trabalho com a oralidade, Patativa sente como poucos os problemas de
todos que o rodeiam, principalmente dos pequenos agricultores e dos esquecidos
pela elite, e a partir dessa empatia produz os seus poemas como forma de
manifestar sua inquietação e revolta acerca dos obstáculos com os quais é
obrigado a conviver, depois os guarda na memória para serem declamados em
situações adequadas. A sua consciência da cidadania e a aceitação das dores do
mundo dão uma dimensão de sua ética pessoal e de sua empreitada em criar e
tentar modificar o mundo através das palavras, segundo Carvalho (2002, p.48).
NOTAS
1.
Capítulo
2 do livro “Reforma Agrária e o Boi Zebu e as Formigas: uma análise sociológica”
do professor José Roberto Morais.
2.
Professor.
Graduado em Letras pela Universidade Regional do Cariri – URCA.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ASSARÉ,
Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005.
BRITO,
Antônio Iraildo Alves de. Patativa do Assaré: Porta Voz
de um Povo: as marcas do sagrado em sua obra. São Paulo: Paulus, 2010.
CÂNDIDO,
Antônio. Literatura e Sociedade. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Ouro
sobre Azul, 2010.
CARVALHO,
Gilmar de. Patativa do Assaré: Pássaro Liberto. Publicado pelo
Museu do ceará. Fortaleza, 2002.
SILVA, José Roberto de Morais. “Reforma
Agrária” e “O Boi Zebu e as Formigas”: uma análise sociológica. José Roberto de
Morais Silva. Pará de Minas, MG: Virtualbooks, Editora, Publicação 2017, pp.
33-38.
Nenhum comentário:
Postar um comentário