domingo, 8 de setembro de 2019

PATATIVA DO ASSARÉ: A VOZ DE UM POVO¹


Por José Roberto Morais²
“Patativa tornou-se a voz do povo nordestino”
           
            Antônio Gonçalves da Silva, conhecido pelo epiteto de Patativa do Assaré, nasceu no dia 05 de Março de 1909 na Serra de Santana em Assaré, região do Cariri, interior do Ceará, vindo a falecer em 2002. Filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva, ambos agricultores. Aos nove anos ficou órfão de pai e teve que trabalhar duro para sustentar a família. Frequentou uma escola até os doze anos, quando aprendeu a ler. Apaixonou-se pela leitura de cordel e começou a produzir seus próprios versos, aos dezesseis anos de idade comprou uma viola e começou a improvisar. Aos vinte anos, o primo de sua mãe que residia no Pará veio a Assaré e o conheceu, quando retornou ao Pará, o levou consigo e o apresentou a José Carvalho de Brito, autor do livro “O Matuto Cearense e O Caboclo do Pará”, foi José Carvalho que o chamou pela primeira vez por Patativa do Assaré. Depois Patativa foi apresentado a Dra. Henriqueta Galeno, filha do poeta Juvenal Galeno. Após ouvir suas recitações, o latinista José Arraes de Alencar, vindo do Rio de Janeiro decidiu publicar os poemas de Patativa do Assaré na editora Borca. Logo em seguida, saiu a segunda edição e assim seu livro fez grande sucesso. Após outras publicações, em 1988 foi publicado o livro de poesia “Ispinho e Fulô” pela Imprensa Oficial do Ceará, produção e prefácio de Rosemberg Cariny. Nesse livro estão presentes os poemas alvos dessa pesquisa. “Reforma Agrária” é um soneto, que possui estrutura fixa; dois quartetos e dois tercetos com dez sílabas poéticas em cada verso, o soneto tematiza a problemática da reforma agrária, que objetiva a divisão igualitária das terras, oportunizando a cada pequeno agricultor a possibilidade de possuir um pequeno pedaço de terreno para trabalhar e garantir a subsistência de sua família. Já “O Boi Zebu e As Formigas” é um poema extenso, composto por nove décimas com sete sílabas poéticas em cada verso, nele o poeta questiona os problemas políticos existentes no nosso país através da metáfora que o intitula.
            Patativa do Assaré é, sem dúvida, um importante poeta popular brasileiro, com uma visão crítica aguçada, o versejador preocupa-se em representar em suas composições aqueles injustiçados e marginalizados pelo sistema político opressor; em função disso, tornou-se a voz do povo nordestino e inspirado no cotidiano de seu povo declamou poemas que se tornaram hinos do Nordeste, como “Vaca Estrela e Boi Fubá”; “A Triste Partida”; “A Terra é Nossa”; “Lição do Pinto”, entre outros, que vieram a retratar a triste realidade vivida pelos nordestinos que enfrentam a seca impiedosa e o desprezo por parte dos governantes. Sempre usando metáforas, o poeta consegue expressar a sua dor e sua insatisfação relativas aos problemas enfrentados pelo povo que representa.
            A seca é um tema bastante abordado em sua poesia, pois o autor foi vítima de algumas das devastadoras estiagens que atingiram o Nordeste. A fuga desse fenômeno climático também está presente em seus versos, já que o mesmo passou por tal acometimento, conforme está registrado em seu poema “A Triste Partida”, que fora posteriormente musicado por Luiz Gonzaga. Outra questão que perturba o poeta e a população é a má distribuição de terra.

1 REFLETINDO ACERCA DA OBRA DE PATATIVA DO ASSARÉ

            Segundo Brito (2010, p.11) “o poeta (Patativa do Assaré) se deu conta de que poderia traduzir sua compreensão do mundo por meio dos versos”. Para isso, ele sempre usou as palavras como forma de interação com o público leitor de sua obra ou ouvintes de suas declamações. No seu livro “Ispinho e Fulô” tratou das questões sociais na maioria de seus poemas, já que ele (Patativa) sentia-se vítima esquecida pelos poderosos e conhecia como poucos os problemas enfrentados pela sociedade. Traduziu sua compreensão do mundo em poemas que se tornaram hinos da poesia popular, escreveu também poesia erudita quando bebeu na fonte de leituras de Castro Alves (O condoreiro), Olavo Bilac (O príncipe), Camões e outros, mas foi na poesia popular que dedicou-se e produziu poemas que retratam verdadeiramente a sua realidade. Patativa observava minuciosamente a realidade que enfrentava e percebia nos versos a arma poderosa que sua fala se tornava ao expor as suas ideias. A preocupação com os problemas enfrentados pela sociedade é evidente em seus poemas, como “A Triste Partida”, “Reforma Agrária”, “A Terra é Naturá”, “O Boi Zebu e As Formigas”, “Nordestino, Sim, Nordestinado, Não”, e na maioria dos poemas que contemplam o livro “Ispinho e Fulô”.
            Sempre marcado por forte oralidade, os poemas patativanos demonstram a forte interação entre ele e a sociedade. Através da poesia oral que ecoa pelo espaço mítico do sertão e comunica ao receptor que não tem domínio dos códigos da escrita, Patativa construiu o seu domínio e se tornou admirável, segundo Carvalho (2002). Sua obra retrata a busca e a luta incansável, durante toda a vida, pela reforma agrária, pelo socialismo e contra o preconceito, a exclusão e a miséria.

2 PATATIVA DO ASSARÉ E A POLÍTICA

            Segundo Gilmar de Carvalho (2002, p. 46) “as relações entre Patativa do Assaré e a política passam pela compreensão da síntese que ele fez entre o trabalho manual e o intelectual, superando a velha dicotomia que tanto inquietou filósofos e cientistas sociais”, pois o campo é o local privilegiado para sua criação poética. Durante o seu trabalho na labuta (roçado), usando a enxada, sua amiga incansável e companheira, Patativa realiza outro trabalho inquestionável, o intelectual, pois enquanto o poeta trabalha na lavoura - plantando, cuidando, ou colhendo o milho, o feijão, a mandioca e outras sementes - a sua mente incansável constrói os mais belos poemas que são mentalizados pelo poeta. Poemas estes, que à noite, quando saciado, procurando descanso para o corpo, são declamados para ouvintes que habitam o seu lar, sua família e amigos.
            Filho de agricultores, Patativa do Assaré seguiu a profissão dos pais. O pássaro poeta herdou não só o trabalho manual do campo, mas também a preocupação e o sentimento do trabalhador. Seu pai improvisava quadras poéticas que Patativa logo apaixonou-se e começou a improvisar também, segundo Gilmar de Carvalho (2002). O improviso, sua paixão, fez com que ele comprasse uma viola e junto com outros cantadores fizessem cantorias pelo sertão do cariri.
            Possuidor de um dom especial no que se refere ao trabalho com a oralidade, Patativa sente como poucos os problemas de todos que o rodeiam, principalmente dos pequenos agricultores e dos esquecidos pela elite, e a partir dessa empatia produz os seus poemas como forma de manifestar sua inquietação e revolta acerca dos obstáculos com os quais é obrigado a conviver, depois os guarda na memória para serem declamados em situações adequadas. A sua consciência da cidadania e a aceitação das dores do mundo dão uma dimensão de sua ética pessoal e de sua empreitada em criar e tentar modificar o mundo através das palavras, segundo Carvalho (2002, p.48).

NOTAS

1.      Capítulo 2 do livro “Reforma Agrária e o Boi Zebu e as Formigas: uma análise sociológica” do professor José Roberto Morais.
2.      Professor. Graduado em Letras pela Universidade Regional do Cariri – URCA.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSARÉ, Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005.
BRITO, Antônio Iraildo Alves de. Patativa do Assaré: Porta Voz de um Povo: as marcas do sagrado em sua obra. São Paulo: Paulus, 2010.
CÂNDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010.
CARVALHO, Gilmar de. Patativa do Assaré: Pássaro Liberto. Publicado pelo Museu do ceará. Fortaleza, 2002.
SILVA, José Roberto de Morais. Reforma Agrária” e “O Boi Zebu e as Formigas”:  uma análise sociológica. José Roberto de Morais Silva. Pará de Minas, MG: Virtualbooks, Editora, Publicação 2017, pp. 33-38.

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