domingo, 8 de setembro de 2019

REFORMA AGRÁRIA: A DEFESA DO AGREGADO¹


Por José Roberto Morais²   
Só verás teu país liberto
                                              Se conseguires a reforma agrária.”
(Patativa do Assaré)

            Segundo Cândido (2010, p.56) “a função social independe da vontade ou da consciência dos autores e consumidores de literatura, decorre da própria natureza da obra, da sua inserção no universo de valores culturais e do caráter de expressão, coroada pela comunicação”. Esse poder de expressão e comunicação torna a interação entre o poeta e a sociedade cada vez mais forte, pois ele usa sua arma poderosa, as palavras, para conseguir exprimir os seus sentimentos na luta em defesa dos necessitados. Patativa sabe como manifestar-se usando as palavras adequadas unidas a eloquência, semelhante ao canto de um pássaro, pois ele tem poder na fala e “é capaz de sentir como poucos os problemas de todos.” (CARVALHO, 2002, p.48).
            O poeta nutre um sentimento desmedido pelo seu povo, por isso ele toma suas dores e as expõe através de versos que traduzem todo seu amor e sua vontade de liberdade, ele usa sua voz no sentido de denunciar e de acalentar os párias de uma sociedade segregada.            Representante desse tom de denúncia e insatisfação é o poema intitulado “Reforma Agrária”, que exprime em seu conteúdo o verdadeiro sentimento do poeta que parte em defesa do trabalhador agregado, logo na primeira estrofe do soneto percebemos esse intuito delator e acalentador, observemos:

Pobre agregado, força de gigante,
Escuta amigo o que te digo agora,
Depois da treva vem a linda aurora
E tua estrela surgirá brilhante.

            Aqui, o poeta enaltece o agregado por sua força desmedida, apesar de ser conhecedor de seu sofrimento e sacrifício diário. Pode-se compreender que o trabalhador é invisível aos olhos das camadas superiores, por não desfrutar da mesma posição social que os mesmos, mas, apesar disso ele é um forte, como afirmou também Euclides da Cunha (1963 p. 94), na sua obra, Os Sertões: “O sertanejo é antes de tudo, um forte”. Patativa diria que o agregado é antes de todos, um gigante. O adjetivo pobre que qualifica o substantivo agregado remete a situação precária em que vive o nosso povo, pois ela faz lembrar outra palavra, miséria. Miséria é a situação vivida por muitos brasileiros que sofrem devido à má distribuição de terra e renda. Diz-se que o primeiro verso do soneto, traz duas ideias contrárias, mas que unidas permitem a compreensão do real significado da expressão: pobre e gigante que caracterizam o agregado.
            No segundo verso: “Escuta amigo o que te digo agora”, o poeta interage com o receptor da mensagem, o considerando um amigo, em tom afável e consolador o convida a ouvi-lo para que possam interagir. Essa interação ameniza as dores de ambos.
            No terceiro verso; “Depois da treva vem a linda aurora”, o poeta acredita que as coisas irão mudar, para isso, ele usa duas metáforas; treva e aurora. A treva seriam os momentos difíceis, a escuridão, o pesadelo de uma vida sofrida; já a aurora virá para mudar, seria a luz, a claridade, a solução para os problemas. Podemos acomodar essa passagem do poema na categoria de “Poesia Insubmissa”, já que esta representa o grito de denúncia acompanhado por um brado de esperança na mudança da situação delatada.
            O quarto verso vem para complementar o quarteto: “E a tua estrela surgirá brilhante”. Essa estrela seria a vida do poeta e de todos que se familiarizam com suas palavras. Na segunda estrofe temos:
           
Pensando em ti eu vivo a todo instante
Minha alma triste desolada chora
Quando te vejo mundo afora
Vagando incerto qual judeu errante.

            Nesses versos o poeta cita o mito do judeu errante. Segundo uma versão desse mito, um judeu chamado Ahsverus, teria sido amaldiçoado a vagar pelo mundo sem destino, sem morte, até o fim dos tempos, por ter ironizado Jesus quando este passava com a cruz onde aquele trabalhava. As versões sobre o suposto episódio do judeu errante variam de país a país. Neste poema, Patativa do Assaré nos permite compreender a relação entre o agregado que vive vagando e trabalhando em terras alheias por não ter terra fixa para trabalhar, logo, é possível observarmos o sofrimento do poeta ao ver a triste situação do trabalhador, a sua alma chora por vê-lo vagando no mundo incerto, expulso de seu lar por situações climáticas desfavoráveis acompanhadas da indiferença dos governantes por sua situação. O poeta tem uma visão abrangente de cidadania e procura encorajar sua classe a enfrentar os problemas sociais que os atingem, para isso, usa palavras de consolo, incentivo, esperança, etc.
            É possível perceber essa ideia vinculada aos seguintes versos, nos quais o poeta incentiva a sociedade a lutar unida por seus objetivos, que no poema é representado pela reforma agrária, nela o poeta vislumbra a solução para os problemas enfrentados pela classe que representa. Observa-se ainda que o poeta considera a triste situação do agregado uma fadiga cruel que o obriga a padecer de situação precária. Analisemos:

Para saíres da fatal fadiga,
Do horrível jugo que cruel te abriga
A padecer situação precária.
           
            Palavras de incentivo, conselho e esperança mais uma vez se tornam presentes na última estrofe, na qual o poeta sugere o que acredita ser uma solução: a reforma agrária.

Lutai altivo, corajoso e esperto
Que só verás teu país liberto
                                              Se conseguires a reforma agrária.   

            Nessa última estrofe, percebe-se palavras de força e coragem relacionadas à vontade de lutar para conseguir seus objetivos, nesse caso, a reforma agrária. Encontra-se, portanto, nesse soneto, a denúncia já mencionada anteriormente, ele ainda mostra a grande preocupação do poeta, vitimizado pelas injustiças que os acometem, o eu-lírico se sente esquecido junto ao seu povo, e defende o agregado que trabalha para um patrão por não possuir terra própria para cultivo e alimentação de sua gente, garantindo assim sua subsistência.

NOTAS

1.      Capítulo 3 do livro “Reforma Agrária e o Boi Zebu e as Formigas: uma análise sociológica” do professor José Roberto Morais.
2.      Professor. Graduado em Letras pela Universidade Regional do Cariri – URCA.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSARÉ, Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005.
BRITO, Antônio Iraildo Alves de. Patativa do Assaré: Porta Voz de um Povo: as marcas do sagrado em sua obra. São Paulo: Paulus, 2010.
CÂNDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010.
CARVALHO, Gilmar de. Patativa do Assaré: Pássaro Liberto. Publicado pelo Museu do ceará. Fortaleza, 2002.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. 27ª ed. Brasília, Ed. Da Universidade de Brasília, 1963.
SILVA, José Roberto de Morais. Reforma Agrária” e “O Boi Zebu e as Formigas”:  uma análise sociológica. José Roberto de Morais Silva. Pará de Minas, MG: Virtualbooks, Editora, Publicação 2017, pp. 39-44.

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