Por
José Roberto Morais²
“Só verás teu país liberto
Se conseguires a reforma agrária.”
(Patativa do Assaré)
Segundo Cândido (2010, p.56) “a
função social independe da vontade ou da consciência dos autores e consumidores
de literatura, decorre da própria natureza da obra, da sua inserção no universo
de valores culturais e do caráter de expressão, coroada pela comunicação”. Esse
poder de expressão e comunicação torna a interação entre o poeta e a sociedade
cada vez mais forte, pois ele usa sua arma poderosa, as palavras, para
conseguir exprimir os seus sentimentos na luta em defesa dos necessitados.
Patativa sabe como manifestar-se usando as palavras adequadas unidas a
eloquência, semelhante ao canto de um pássaro, pois ele tem poder na fala e “é
capaz de sentir como poucos os problemas de todos.” (CARVALHO, 2002, p.48).
O poeta nutre um sentimento
desmedido pelo seu povo, por isso ele toma suas dores e as expõe através de
versos que traduzem todo seu amor e sua vontade de liberdade, ele usa sua voz
no sentido de denunciar e de acalentar os párias de uma sociedade
segregada. Representante desse
tom de denúncia e insatisfação é o poema intitulado “Reforma Agrária”, que
exprime em seu conteúdo o verdadeiro sentimento do poeta que parte em defesa do
trabalhador agregado, logo na primeira estrofe do soneto percebemos esse
intuito delator e acalentador, observemos:
Pobre agregado,
força de gigante,
Escuta amigo o
que te digo agora,
Depois da treva
vem a linda aurora
E tua estrela
surgirá brilhante.
Aqui, o poeta enaltece o agregado
por sua força desmedida, apesar de ser conhecedor de seu sofrimento e
sacrifício diário. Pode-se compreender que o trabalhador é invisível aos olhos
das camadas superiores, por não desfrutar da mesma posição social que os
mesmos, mas, apesar disso ele é um forte, como afirmou também Euclides da Cunha
(1963 p. 94), na sua obra, Os Sertões: “O sertanejo é antes de tudo, um forte”.
Patativa diria que o agregado é antes de todos, um gigante. O adjetivo pobre
que qualifica o substantivo agregado remete a situação precária em que vive o
nosso povo, pois ela faz lembrar outra palavra, miséria. Miséria é a situação
vivida por muitos brasileiros que sofrem devido à má distribuição de terra e
renda. Diz-se que o primeiro verso do soneto, traz duas ideias contrárias, mas
que unidas permitem a compreensão do real significado da expressão: pobre e
gigante que caracterizam o agregado.
No segundo verso: “Escuta amigo o
que te digo agora”, o poeta interage com o receptor da mensagem, o considerando
um amigo, em tom afável e consolador o convida a ouvi-lo para que possam interagir.
Essa interação ameniza as dores de ambos.
No terceiro verso; “Depois da treva
vem a linda aurora”, o poeta acredita que as coisas irão mudar, para isso, ele
usa duas metáforas; treva e aurora. A treva seriam os momentos difíceis, a
escuridão, o pesadelo de uma vida sofrida; já a aurora virá para mudar, seria a
luz, a claridade, a solução para os problemas. Podemos acomodar essa passagem
do poema na categoria de “Poesia Insubmissa”, já que esta representa o grito de
denúncia acompanhado por um brado de esperança na mudança da situação delatada.
O quarto verso vem para complementar
o quarteto: “E a tua estrela surgirá brilhante”. Essa estrela seria a vida do
poeta e de todos que se familiarizam com suas palavras. Na segunda estrofe
temos:
Pensando em ti
eu vivo a todo instante
Minha alma
triste desolada chora
Quando te vejo
mundo afora
Vagando incerto
qual judeu errante.
Nesses versos o poeta cita o mito do
judeu errante. Segundo uma versão desse mito, um judeu chamado Ahsverus, teria
sido amaldiçoado a vagar pelo mundo sem destino, sem morte, até o fim dos
tempos, por ter ironizado Jesus quando este passava com a cruz onde aquele
trabalhava. As versões sobre o suposto episódio do judeu errante variam de país
a país. Neste poema, Patativa do Assaré nos permite compreender a relação entre
o agregado que vive vagando e trabalhando em terras alheias por não ter terra
fixa para trabalhar, logo, é possível observarmos o sofrimento do poeta ao ver
a triste situação do trabalhador, a sua alma chora por vê-lo vagando no mundo
incerto, expulso de seu lar por situações climáticas desfavoráveis acompanhadas
da indiferença dos governantes por sua situação. O poeta tem uma visão
abrangente de cidadania e procura encorajar sua classe a enfrentar os problemas
sociais que os atingem, para isso, usa palavras de consolo, incentivo,
esperança, etc.
É possível perceber essa ideia
vinculada aos seguintes versos, nos quais o poeta incentiva a sociedade a lutar
unida por seus objetivos, que no poema é representado pela reforma agrária,
nela o poeta vislumbra a solução para os problemas enfrentados pela classe que
representa. Observa-se ainda que o poeta considera a triste situação do
agregado uma fadiga cruel que o obriga a padecer de situação precária.
Analisemos:
Para
saíres da fatal fadiga,
Do
horrível jugo que cruel te abriga
A
padecer situação precária.
Palavras de incentivo, conselho e
esperança mais uma vez se tornam presentes na última estrofe, na qual o poeta
sugere o que acredita ser uma solução: a reforma agrária.
Lutai altivo,
corajoso e esperto
Que só verás teu
país liberto
Se conseguires a reforma agrária.
Nessa última estrofe, percebe-se
palavras de força e coragem relacionadas à vontade de lutar para conseguir seus
objetivos, nesse caso, a reforma agrária. Encontra-se, portanto, nesse soneto,
a denúncia já mencionada anteriormente, ele ainda mostra a grande preocupação
do poeta, vitimizado pelas injustiças que os acometem, o eu-lírico se sente
esquecido junto ao seu povo, e defende o agregado que trabalha para um patrão
por não possuir terra própria para cultivo e alimentação de sua gente,
garantindo assim sua subsistência.
NOTAS
1.
Capítulo
3 do livro “Reforma Agrária e o Boi Zebu e as Formigas: uma análise sociológica”
do professor José Roberto Morais.
2.
Professor.
Graduado em Letras pela Universidade Regional do Cariri – URCA.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ASSARÉ,
Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005.
BRITO,
Antônio Iraildo Alves de. Patativa do Assaré: Porta Voz
de um Povo: as marcas do sagrado em sua obra. São Paulo: Paulus, 2010.
CÂNDIDO,
Antônio. Literatura e Sociedade. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Ouro
sobre Azul, 2010.
CARVALHO,
Gilmar de. Patativa do Assaré: Pássaro Liberto. Publicado pelo
Museu do ceará. Fortaleza, 2002.
CUNHA,
Euclides da. Os Sertões.
27ª ed. Brasília, Ed. Da Universidade de Brasília, 1963.
SILVA, José Roberto de Morais. “Reforma
Agrária” e “O Boi Zebu e as Formigas”: uma análise sociológica. José Roberto de Morais Silva. Pará de Minas, MG: Virtualbooks, Editora, Publicação 2017, pp.
39-44.
Nenhum comentário:
Postar um comentário